As cartas de conforto e a sujeição a Imposto do Selo
As cartas de conforto podem ser um instrumento facilitador de crédito sem sujeição a imposto do selo (Artigo de Opinião publicado na edição de 22 de maio de 2020 do Vida Económica)
As cartas de conforto são declarações unilaterais através das quais, de modo mais ou menos preciso, mais ou menos abrangente, o declarante procura confortar terceiro, fazendo-o esperar de si determinado comportamento.
Estas declarações surgiram no ordenamento jurídico Estado-unidense no seio dos grupos societários, como instrumento facilitador da concessão de crédito por terceiros a subsidiárias.
A proliferação destes mecanismos em detrimento das tradicionais garantias (como o aval ou a fiança) é de elementar racionalidade: aquelas, ao contrário destas últimas, não concorrem para limites de financiamento, não dependem de complexos e burocráticos formalismos e, em determinados casos, apresentam maior eficiência fiscal.
Vejamos, as cartas de conforto são frequentemente agrupadas, pela doutrina e jurisprudência, em fracas, médias ou fortes, consoante o grau e a concretização de compromisso assumido pelo declarante.
As cartas de conforto fracas ou médias mais não são do que meras recomendações ou consagrações de deveres gerais de correcção e de comportamentos a observar, cuja violação pode ser civilmente responsabilizada nos termos gerais de direito.
Por seu turno, declarações que empreguem expressões como “garanto o cumprimento” ou “pagarei”, devem ser consideradas cartas de conforto fortes. Só estas podem, salvo melhor opinião, ser reconduzidas a garantias pessoais, como o aval ou a fiança (estas últimas designadas por típicas, ao contrário daquelas que, por não terem disciplina legal, serão garantias atípicas).
Esta é uma distinção essencial, porquanto as “Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, (…) constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente…”, estão sujeitas a imposto do selo.
Em suma, a sujeição das cartas de conforto a Imposto do Selo dependerá da sua recondução à figura de “Garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma…”, ou, por outras palavras, ao seu enquadramento como cartas de conforto fortes e, por isso, reconduzíveis a garantias atípicas.
Entre nós, mais do que em empréstimos bancários, esta matéria ganha particular relevância nos créditos concedidos por fornecedores a clientes.
Em todo o caso, se para a entidade mutuante ou concedente for suficiente que terceiro assuma uma responsabilidade civil nos termos gerais de direito, no âmbito de determinada operação, para que o crédito possa ser concedido ao beneficiário, a sujeição a imposto do selo poderá, por esta via, ser evitada.